domingo, 1 de agosto de 2010

DIVAGANDO

Tem um tempinho que não paro para fazer uma breve divagação, mas hoje recebi este texto de uma amiga de infância que me fez parar para pensar um bom tempo. É um texto que pode tocar em algumas pessoas como tocou em mim e nesta minha amiga que me presenteou com este belíssimo texto.
Era uma "obrigação gostosa"  visitar as pessoas amigas, principalmente nos dias de domingo. Tínha que acompanhar  a minha mãe na visita à prima que chegou de viagem, à uma amiga que estava doente, a tia que tinha chamado para comer um pedaço de bolo...e quando já estava voltando para casa ainda passávamos na casa da vizinha para aquela "visitinha" rápida. Se a casa para onde iríamos tivesse criança  mais feliz eu ia, era a oportunidade de brincar com brinquedos diferentes.     
Não vou falar muito das minha lembranças porque espero que com a leitura deste texto as suas lembranças sejam despertadas. Entre no texto!



Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre… Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro… casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia: – Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite… tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança… Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam…era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade…

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, t ambém ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos… até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail… Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!… – ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas... Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite…

Que saudade do compadre e da comadre!

Texto de  José Antônio Oliveira de Resende- (Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei/MG).

5 comentários:

  1. Para quem tem a percepção do rumo em que a vida tem tomado, fica no peito uma saudade dessa história. Até mesmo para quem não viveu, sente-se um calor no peito por saber da presença dos seus antepassados como um personagem dessa história.

    Fiquei muito satisfeito em ler essa texto.
    Parabéns.

    Abraços!

    Anôr Alves

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  2. Oi Anôr

    Muito obrigado pelo comentário.
    Fico muito feliz quando um texto toca as pessoas.
    Vejo você sempre por aqui e obrigado também por acessar sempre o blog.

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  3. Vocês tem muito bom gosto em selecionar os conteúdos do blog e também as atrações.
    Fico feliz em receber email notificando uma nova postagem de vcs.

    Abraços.

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  4. Aninha,
    Fiquei emocionada com o texto, e contente de conhecer mais um pouco de você e o que pensa: saber que na sua memória habita também essas lembranças , nos torna mais próximas apesar da distância cronológica que existe entre nós.
    Beijão amiga!

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  5. Oi Mémé

    Obrigada,amiga, por deixar este comentário.
    Muito lindo!
    Sorte nossa ter estas lembranças no nosso baú, lembranças que nos fazem sentir vivas e preenchidas.
    Beijos!

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